Entre o início de dezembro e a semana passada, o preço médio do botijão de gás de cozinha com 13 quilos subiu mais de R$ 10 no Amazonas, passando de R$ 112,95 para R$ 123,15, alta de 9%. No mesmo período, o preço médio nacional caiu quase R$ 2, para R$ 108,02.
Segundo distribuidoras e revendedores locais, a disparidade é um reflexo da privatização da refinaria de Manaus, que passou a ser operada pelo grupo Atem em dezembro de 2022, 15 meses após assinatura do contrato de compra do ativo da Petrobras.
A escalada no preço do produto foi imediata, segundo executivos do setor. Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) mostram que, apesar de mais caro, o botijão de 13 quilos no Amazonas seguia a curva da média nacional até a semana de 3 de dezembro de 2022.
A partir daí, as curvas se descolam, fruto de um primeiro reajuste promovido pela refinaria privatizada. Hoje, segundo empresas do setor, o quilo do GLP (gás liquefeito de petróleo, como é chamado o gás de cozinha) é vendido pela refinaria de Manaus a R$ 5,60, enquanto a Petrobras cobra entre R$ 3,14 e R$ 3,35, dependendo do ponto de entrega.
Também na zona de influência da refinaria, Roraima é outro estado afetado. Em um mês, o preço do botijão de 13 quilos subiu 6,4%, até atingir R$ 128,82 na semana passada.
A Atem diz que a refinaria produz apenas 10% do volume necessário para atender o mercado local e que compra o restante da Petrobras em Coari, a 370 quilômetros de Manaus, onde a estatal tem uma base de recebimento da produção do campo de gás de Urucu.
“Com a logística de aquisição do GLP, a Ream [Refinaria do Amazonas, novo nome da unidade] tem de arcar com os custos da operação com terminal aquaviário, transporte de navio e praticagem, dentre outros”, afirma a empresa, em nota.
“A Ream reafirma seu compromisso de seguir uma política transparente em sua estratégia de preços, amparada por critérios técnicos e sempre dentro das normas do mercado”, afirma a empresa.
Seus principais clientes, as distribuidoras Fogás e Amazongás, alertaram o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre os riscos da concentração do mercado por um agente privado.
No processo de avaliação da operação, depois autorizada pelo Cade, as empresas afirmaram que a estrutura de recebimento de GLP no Amazonas passa necessariamente pelo terminal da Ream, ao qual estão conectadas as bases das duas empresas.
Ao Cade, a Fogás disse ver “dificuldades intransponíveis” para buscar gás em outras refinarias, já que a Ream “é a única refinaria que está instalada em Manaus e, ao mesmo tempo, mantém infraestrutura logística privativa para recebimento e escoamento de produtos”.
A principal preocupação, alertaram as empresas, era o possível aumento de preços do produto, já que a Petrobras tinha capacidade de diluir custos nos preços praticados por suas diversas refinarias espalhadas pelo Brasil.
“Se atualmente a Petrobras, na qualidade de ‘player’ nacional, possui uma política de preços nacional padronizada, viabilizando a prática de preços similares em todas as regiões do Brasil, tal cenário certamente não será o mesmo com o controle de um grupo privado local”, afirmouo a Fogás.
Em nota, o Cade disse que diante das preocupações concorrenciais de terceiros interessados e da própria autarquia, “o negócio recebeu o aval da autarquia condicionado a um Acordo de Controle de Concentrações (ACC) que prevê uma série de obrigações”.
Entre as obrigações, está a permissão de acesso às instalações de movimentação e armazenagem de produtos do terminal ligado à refinaria, a desverticalização do ativo e a nomeação de pessoa física ou jurídica para acompanhar o cumprimento das medidas.
A venda da refinaria de Manaus é parte de um processo de redução da presença estatal na área de refino, iniciada no governo Michel Temer (MDB) e sustentada por um termo de compromisso no Cade, que suspendeu investigações sobre práticas anticompetitivas contra a estatal.
O processo é criticado por sindicatos de petroleiros e deve ser revisto pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prega mais investimentos em refinarias no país.
Entre as críticas, está justamente a possibilidade de concentração de mercado em empresas privadas, já que as refinarias fora da região Sudeste costumam ter influências geográficas bem definidas, com poucas chances de competição.
Procurada, a Petrobras não comentou o assunto até a publicação deste texto.